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A Nova Revolução Chinesa – Parte I: Made in China 2025

Atualizado: 19 de out. de 2018

Há muito tempo a China deixou de ser um país com fama de mero copiador de produtos do Ocidente e local de mão-de-obra muito barata para se tornar uma grande potência econômica mundial. Seu PIB passou de U$1,2 trilhão em 2000 para U$12,8 trilhões em 2017, com ritmo de crescimento ainda acelerado. O aumento do poder de consumo de seus mais de 1,3 bilhão de habitantes faz com que algumas projeções coloquem o país asiático como a maior economia do mundo até 2030, ultrapassando os EUA.


Fossem só os dados acima e a preocupação de Donald Trump em frear o crescimento chinês já seria entendida – apesar de uma guerra comercial não ser uma saída inteligente. Porém, o que está por trás das ameaças de barreiras tarifárias vai muito além da perda do topo no ranking de economias mundiais: a corrida pela liderança em tecnologias que já estão e irão dominar o planeta (e até fora dele) nas próximas décadas.


Nesta série de dois artigos, vou explicar como os chineses planejam se tornar a maior potência mundial, tendo como pano de fundo três planos ambiciosos: o Made in China 2025 (sobre o qual discorro abaixo), o AI 2030 e o Belt and Road Initiative, estes últimos assuntos do próximo artigo.


Made in China 2025


No ano de 2015, o presidente chinês, Xi Jinping, lançou um ousado plano, chamado Made in China 2025, que estabeleceu 10 prioridades tecnológicas nas quais o país iria investir pesadamente capital financeiro e humano para dominá-las até 2025. Trata-se não só de ser referência nestas áreas, mas especialmente diminuir consideravelmente (e se possível terminar) a dependência dos americanos.

Trump e Jinping: aperto de mãos antes das ameaças

As 10 áreas abordadas pelo plano são: robótica, veículos movidos a energia limpa, biotecnologia, tecnologia aeroespacial, tecnologia naval, tecnologia ferroviária, energia elétrica, novos materiais (como os usados em células solares), equipamentos eletrônicos e softwares de alta performance (como smartphones e drones, por exemplo) e máquinas agrícolas.


O plano, claro, tem investimento massivo do governo, na maioria das vezes não identificados como subsídios, como é solicitado pela Organização Mundial do Comércio. Tais aportes são efetuados em empresas do país (não só via injeções diretas de capital, como benefícios fiscais), mas também na compra de companhias estrangeiras, o que facilita o acesso chinês a tecnologias desenvolvidas externamente. Ao mesmo tempo que avança sua presença em outros países, a recíproca não é verdadeira. Entrar no maior mercado do mundo é complicado, que o digam Google e Facebook, por exemplo, que são banidos no país. Essa, aliás, é uma das reclamações de Trump, de que os asiáticos “roubam” tecnologia estrangeira ao se associar às companhias de fora, mas que fecham seu próprio mercado para evitar que o mesmo ocorra dentro de casa. Esse domínio interno ajudou e muito empresas como Alibaba, Tencent e Baidu (as três maiores de tecnologia da China) a se tornarem gigantes mundiais em faturamento, além de referências em inovações tecnológicas.


A área de tecnologia é a que, de fato, vem chamando mais atenção, resultado de um aumento impressionante no volume de investimento na mesma: em 2012, fundos de private equity e de venture capital aportaram U$14 bilhões no setor; em 2017, este número saltou para U$120 bilhões. No ano passado, aliás, 34 empresas chinesas se tornaram unicórnios (com valor de mercado de mais de U$1 bilhão), o que corresponde a 35% de todas as companhias que atingiram o feito. Os EUA ainda lideraram, com 41,3%, mas o gap já foi muito maior: em 2014, o placar era de 13,9% contra 61,1%. Inclusive, a startup mais valiosa do mundo (no dia de hoje, 09/05/2018) é da China, a Didi Chuxing, que presta serviços de transporte alternativo e está avaliada em mais de U$50 bilhões. O Uber tentou entrar no mercado chinês para competir com a Didi, mas desistiu e acabou por vender suas operações para a rival, em troca de participação acionária. Foi justamente do Uber que a Didi Chuxing roubou o posto de startup mais valiosa do planeta (a Didi também comprou as operações da 99Táxi no Brasil recentemente).

Carro da Didi Chuxing

As críticas sobre a influência governamental direta neste sucesso tecnológico prometem se acirrar ainda mais, pois há comentários de que o governo chinês pode impor uma participação própria de 1% nas maiores empresas do setor do país, além até de um lugar nos conselhos de administração. A medida, no entanto, não agrada às gigantes nacionais, uma vez que tamanha interferência poderia atrapalhar bastante seus planos de expansão para outros países do Ocidente, em especial os EUA. Se as suspeitas de influência de Xi Jinping já existem e provocam ameaças de barreiras comerciais, caso esta influência torne-se oficial, é bem capaz das ameaças também se tornarem imposições reais, iniciando de vez uma guerra comercial.


Mais disputas


Outro sinal do avanço chinês sobre os EUA em tecnologia é o fato de que, dos 500 supercomputadores mais rápidos do mundo, 202 são do país asiático contra 143 dos americanos. Uma corrida que já se iniciou, aliás, é em relação à computação quântica, que ainda engatinha, mas que tem como objetivo criar computadores com capacidades muito superiores às que as máquinas mais potentes atualmente têm.


A tecnologia 5G (100 vezes mais rápida em relação ao 4G que conhecemos) também é outro alvo de disputa China x EUA. Tida como fundamental para o desenvolvimento de todo o potencial da Internet das Coisas e para que carros autônomos consigam ser adotados em larga escala, virou prioridade do governo americano, que pensa até em nacionalizar uma rede de 5G, sob o pretexto de proteger a segurança do país. Foi ela também a responsável pela decisão de Trump de vetar a compra da Qualcomm pela Broadcom. A americana Qualcomm investe bilhões em pesquisa de chips 5G e lidera a corrida para coloca-los no mercado. O presidente dos EUA entendeu que seria muito arriscado deixar que a Broadcom, sediada em Cingapura (pertinho da China), assumisse o controle da companhia e tivesse acesso direto à tecnologia.


Os chineses, porém, estão longe de desistir de dominar a produção de chips. Pelo contrário. Por serem extramente dependentes de empresas estrangeiras, notadamente americanas (90% dos chips utilizados no país são importados), o governo de Xi Jinping planeja lançar em breve um fundo de U$47 bilhões voltado exclusivamente para fomentar o desenvolvimento desta indústria localmente, de acordo com o Wall Street Journal. O foco seria justamente em chips 5G e de Inteligência Artificial, tecnologias que ainda não têm uma liderança mundial. Dominá-las seria um grande passo para se tornar a nação mais poderosa do mundo, por isso a grande aposta.


No campo científico, os asiáticos também estão tentando brigar de igual para igual com os americanos, pelo menos em publicações de pesquisas. Em 2016, foram 426 mil artigos publicados, contra 409 mil dos EUA. Estes números, no entanto, vêm acompanhados de uma polêmica. Um artigo do MIT Technology Review revelou que cientistas chineses são pagos por cada publicação que fazem, com o valor variando de acordo com a importância da revista na qual o artigo foi publicado, prática considerada antiética, pelo menos para os padrões ocidentais. Segundo a revista do MIT, tais pagamentos estariam estimulando publicações de pesquisas cujos resultados carecem de credibilidade.


A polêmica levantada, no entanto, não apaga os progressos efetuados pela China. O setor de biotecnologia, por exemplo, deve corresponder a mais de 4% do PIB em 2020, estimulado pelos mais de 100 parques científicos que existem ao redor país.


Carros


A China é o maior mercado automotivo do mundo. Em 2020, espera-se que 35 milhões de carros sejam vendidos por lá. Porém, apesar das montadoras chinesas terem penetração no mercado local, no sudeste asiático e na África, suas presenças na Europa e nos EUA são irrisórias, bem atrás de outros rivais asiáticos, com as montadoras japonesas e coreanas, que já contam com boa participação no Ocidente.


O plano, no entanto, é colocar a China como uma das referências no assunto, ao lado dos EUA, Alemanha e Japão. E a revolução pela qual o mercado automotivo vem passando irá contribuir bastante para isso. A demanda por veículos impulsionados por novas formas de energia (como os elétricos ou de hidrogênio, por exemplo) cresce a passos largos, com expectativas de que, em 2040, correspondam a 54% dos carros vendidos no mundo, segundo pesquisa da Bloomberg New Energy Finance.


É nisso que o governo chinês aposta para ter um papel proeminente na indústria. Em 2015, o país se tornou o maior mercado para veículos elétricos, ultrapassando os EUA. Em 2018, espera-se que 1 milhão de EVs sejam vendidos; em 2020, 2 milhões. Uma prova desta aposta é o fato de que, no salão de automóveis de Pequim deste ano, 174 modelos de carros elétricos foram apresentados, sendo 124 desenvolvidos no país. A busca pelo domínio não será apenas pelas montadoras: a CATL (empresa que desenvolve baterias para equipar estes veículos elétricos), por exemplo, planeja construir uma fábrica que a tornará a maior produtora de baterias de lítio do mundo. Ela já fornece para a Volkswagen. A corrida pelo cobalto, matéria-prima essencial na produção dessas baterias, também tem liderança chinesa: 60% do cobalto refinado existente no planeta é de propriedade de empresas do país, muitas delas instaladas na África, onde o metal é abundante. Além disso, a Glencore Plc, a maior produtora desta matéria-prima, assinou contrato com a chinesa GEM Co. para fornecer à companhia um terço de toda a sua produção pelos próximos três anos, aumentando ainda mais o domínio do país asiático sobre as reservas do metal.


Não só os veículos de energia limpa irão impulsionar a indústria automotiva da China. O advento dos carros autônomos também vai ajudar bastante. Segundo projeções, cerca de 33 milhões desses veículos serão vendidos em 2040. As já citadas Baidu, Tencent e Didi Chuxing são das principais investidoras na tecnologia, focando não na montagem dos carros em si, mas nos softwares necessários para que estes consigam se movimentar sozinhos, algo talvez até mais importante.


No setor de carros, as empresas chinesas também têm ido às compras mundo afora. Nos últimos cinco anos, elas investiram cerca de U$31 bilhões em aquisições, seja em participações em montadoras estrangeiras, seja em companhias que produzem componentes automotivos. A Tencent, por exemplo, comprou 5% da Tesla, por U$1,8 bilhão. O Grupo Geely foi além e gastou U$13 bilhões para adquirir parte da Daimler AG (dona da Mercedes-Benz), da Volvo Trucks e da Lotus.


A atitude do governo chinês em relação à indústria de carros promete ser diferente do que acontece em outras áreas: hoje, o máximo de participação que uma empresa estrangeira pode ter em algum investimento no setor dentro do país é 50%. Xi Jinping, porém, anunciou em abril que irá derrubar esta regra para veículos comerciais em 2020 e para veículos de passeio em 2022, abrindo espaço para que companhias de fora possam ser donas de fábricas, por exemplo, sem que precisem ceder participação para empresas locais. A medida, anunciada em meio ao embate com os EUA, visa aumentar a troca de informações sobre tecnologia automotiva, mas certamente também tem a intenção de preparar o terreno para que as montadoras chinesas possam entrar nos mercados americano e europeu com mais tranquilidade.

O2, SUV da Lynk & Co

A estratégia de entrada passa por uma nova abordagem. Para tentar diminuir o preconceito contra carros produzidos na China, algumas companhias estão passando a produzi-los fora de lá. É o caso da Lynk & Co., marca do supracitado Grupo Geely. Ela montou uma fábrica na Bélgica, onde irá produzir seu SUV, o O2, e pretende começar a vendê-lo na Europa em 2020. Depois, quer atravessar o Atlântico rumo ao Tio Sam. Vender nos EUA também é o objetivo da SF Motors, NIO, Byton e BYD Co., todas montadoras chinesas, que abriram sedes em solo americano. A última, aliás, tem até investimento de Warren Buffet, talvez o maior investidor da história.


O que vem por aí


Como vimos, o Made in China 2025 anda a todo vapor, fazendo com que as empresas chinesas comecem a ser protagonistas nas principais indústrias atualmente. Uma eventual guerra comercial com os EUA atrapalharia os planos do país, claro, mas ter um mercado interno de mais de um bilhão de pessoas, além de tentáculos sobre basicamente todas as outras regiões do mundo fazem com que a China consiga bater de frente com Trump, ameaçando fechar as portas (ainda mais) para as companhias americanas. E isso certamente causaria grandes impactos na indústria dos EUA. Será que a queda de braço continua ou o diálogo conseguirá resolver as questões? Por enquanto, parece que a primeira opção vai sobressaindo.


No próximo artigo, falarei sobre o AI 2030 e o Belt and Road Initiative, tão importantes quanto o Made in China 2025. O primeiro quer fazer dos chineses os líderes em Inteligência Artificial em pouco mais de 10 anos; o segundo é uma espécie de Plano Marshall, só que bem maior em amplitude geográfica e em aporte de capital.

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