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A Comida do Futuro – Parte II: carnes que “sangram”, mas que são feitas à base de plantas

Atualizado: 25 de set. de 2018

Produtos que “imitam” carne não são novidade. Os açougues veganos, por exemplo, vêm se espalhando pelo mundo, inclusive aqui no Brasil. Apesar dos produtos serem cada vez melhores em termos de sabor e aparência, a distância para a carne verdadeira ainda afasta aqueles que não dispensam proteína animal. Porém, como mostrado no primeiro artigo da série “A Comida do Futuro”, o aumento da população mundial (9,8 bilhões de pessoas em 2050 segundo a ONU, contra 7,6 bilhões atualmente) e o crescimento da renda per capita em países em desenvolvimento fará com que a demanda por comida – e, especialmente, carne – aumente consideravelmente. E isto terá consequências ainda mais desastrosas para o meio-ambiente.


Para tentar diminuir este impacto, empresas estão apostando em novas formas de se produzir comida, que sejam sustentáveis e capazes de substituir, ao menos em parte, a forma tradicional, a agropecuária. No primeiro artigo comentei sobre agricultura celular, ou carnes feitas em laboratório, que ainda estão em estágio inicial de desenvolvimento e só devem entrar para competir de fato no mercado em meados da próxima década. Hoje o foco é em carnes feitas à base de plantas, usando alta tecnologia em bioquímica para fazer com que a textura e o paladar sejam os mais próximos possíveis das carnes de animal. Estes produtos já podem ser encontrados em supermercados e redes de restaurantes, e estão atraindo investimentos de centenas de milhões de dólares.


Carnes a base de planta que sangram?


O mercado de substitutos de carne está estimado em U$4,6 bilhões em todo mundo e, segundo projeções da empresa de pesquisa MarketsandMarkets, deve chegar a U$6,5 bilhões em 2023. Ainda é longe do mercado de carne animal, avaliado em mais de U$150 bilhões em 2018. Essa grande diferença acontece pelo fato de que a grande maioria dos consumidores do segmento de substitutos é de vegetarianos ou veganos. Porém, algumas companhias querem mudar a percepção de que estes produtos são exclusivos de nicho e buscam, por meio da ciência, fórmulas de se emular sabor, textura e perfumes de carnes utilizando apenas vegetais, grãos e fungos.

Impossible Burger

A que vem chamando mais atenção é a Impossible Foods, da California. Fundada em 2011, ela tem um objetivo bastante ousado: eliminar o consumo de carne produzida do jeito tradicional até 2035 (algo praticamente impossível, mas que ao menos combina com o nome da empresa). Seu primeiro produto é o Impossible Burger (foto da capa deste artigo), que tem tido uma resposta animadora dos clientes: é vendido em cerca de 2.000 restaurantes nos EUA – inclusive em redes grandes, como a White Castle – e já expandiu para Hong Kong. O desempenho abriu a porta para investimentos. A companhia levantou U$396 milhões com investidores como Bill Gates e a GV (braço de capital de risco do Google). Mas por que a Impossible Foods têm feito este barulho?


Seu hambúrguer é bastante parecido com carne, o que tem atraído consumidores carnívoros para prova-lo. O segredo está na sua composição. O fundador da empresa, Pat Brown, é um ex-professor de bioquímica da Universidade de Stanford. Ele teve a ideia de “descontruir” a carne em todos os seus diferentes componentes para entender como eles, juntos, produziam sabores e aromas. Para isso, usou um aparelho capaz de realizar uma técnica de nome complicado, espectrometria da cromatografia-massa do gás. Neste aparelho, pedaços de carne são aquecidos, liberando aromas; os componentes responsáveis por eles são isolados e identificados. Assim, Brown descobriu o que ele diz ser o grande segredo do Impossible Burger: um componente chamado heme, que dá a cor vermelha ao sangue e também é o encarregado de entregar oxigênio aos músculos de animais.


O heme é tido pela empresa como o responsável pelo paladar e cheiro de uma carne. Após a descoberta, a companhia fez o teste com diversos tipos de vegetais e fungos para tentar encontrar o mesmo componente e tiveram sucesso. Raízes de soja também têm heme. Porém, produzir pequenas quantidades do componente requereria uma plantação gigantesca de soja, o que tornaria sua utilização inviável. Aí apareceu novamente o lado bioquímico de Brown. Ele modificou geneticamente uma espécie de levedura, inserindo material genético da proteína da soja que carrega o heme. Deste jeito, a levedura, ao ser alimentada por açúcares e sais minerais, se replicou e produziu heme utilizando uma pequena fração do espaço que seria necessário para fazer a mesma quantidade usando raízes de soja. O Impossible Burger leva ainda proteína de trigo (para dar firmeza e textura), proteína de batatas (que permite o hambúrguer reter água e mudar de textura durante o preparo) e côco sem sabor, para ter gordura. Os milhões em investimento fizeram a empresa expandir sua capacidade de produção para cerca de 450 toneladas do produto por mês em uma fábrica que mais parece um laboratório.


Nem tudo são flores para Impossible Foods, no entanto. A companhia, apesar de não precisar pela lei americana, decidiu submeter o heme para aprovação da FDA (agência que regula comida e medicamentos nos EUA) em nome da transparência. Porém, a agência ainda não deu seu parecer, o que provocou reações contrárias de algumas entidades no país preocupadas com efeitos para a saúde que o componente poderia ter. Um estudo da Organização Mundial de Saúde chegou a sugerir que há fortes evidências de que o consumo de heme tem relação com desenvolvimento de câncer. A empresa nega e diz ter garantias da segurança de seu produto.


No vídeo abaixo, produzido pela Wired, é possível saber mais sobre a Impossible Foods.

Outra empresa que faz sucesso no segmento de carnes a base de plantas é a Beyond Meat, criada em 2009. Os produtos da companhia são vendidos em cerca de 5.000 lojas (entra elas redes gigantes como a Whole Foods) e 4.000 restaurantes pelos Estados Unidos. A Beyond Meats já recebeu mais de U$70 milhões em investimentos de empresas como Tyson Foods (uma das maiores produtoras de carne processada do mundo) e Cleveland Avenue (um fundo de investimento liderado pelo ex-CEO do McDonald’s, Don Thompson), e até do ator Leonardo Di Caprio. A base dos produtos é de proteína de soja e de ervilha e há uma variedade bem maior do que na Impossible Foods: a BM oferece, além do hambúrguer, linguiças, salsichas e tiras de frango.


Em busca de atrair mais clientes, redes de restaurantes também estão procurando novas opções no cardápio que sejam não só mais saudáveis, como também amigáveis ao meio-ambiente. A já citada White Castle serve Impossible Burgers e o TGI Fridays tem o Beyond Burger no menu. Já a KFC está pesquisando por conta própria substitutos para carne animal. A unidade do Reino Unido da empresa estuda componentes que consigam imitar o frango, seu ingrediente principal. A iniciativa faz parte da meta da empresa de reduzir em 20% as calorias de suas refeições até 2025.

Alguns dos produtos da Beyond Meat

Os esforços destas companhias parecem estar conseguindo o objetivo de alcançar não somente os clientes naturais (vegetarianos e veganos), mas também carnívoros. Uma pesquisa nos EUA mostrou que 14% dos americanos consomem produtos feitos à base de plantas para substituir leite, queijos e carnes. E que 86% dessas pessoas não têm restrições a produtos de base animal,elas apenas buscam opções mais saudáveis e de menor impacto ambiental. Apesar de ser bem difícil de acreditar que algum dia as carnes feitas à base de planta irão ao menos equivaler em tamanho de mercado às carnes atuais, o crescimento da participação dessas parece inevitável a medida que as diferenças em sabor, aroma, aparência e preço vão se tornando cada vez menores. O meio-ambiente agradece.



No próximo artigo da série “A Comida do Futuro” irei comentar sobre os robôs que estão sendo desenvolvidos para substituir humanos nas cozinhas, seja para cortar custos, melhorar a produtividade ou combater a falta de trabalhadores.

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