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Testes de DNA para genealogia solucionam crimes e abrem debate sobre privacidade de dados

Testes de DNA feitos pelo correio por pessoas comuns em busca de conhecimento sobre seus antepassados ou curiosas sobre propensões a certas doenças tiveram um boom em 2017 nos EUA. Segundo estimativas, mais de 12 milhões de pessoas têm seus dados genéticos em databases de empresas como Ancestry.com, 23andMe, MyHeritage (que opera no Brasil a opção genealógica por R$295,00) e outras. O procedimento é bem simples. Por cerca de U$100 a U$200, o consumidor compra o teste pela internet, recebe em casa, colhe uma amostra de saliva e envia de volta para a empresa. Esta faz a análise e posta os dados genéticos em seu site; ela também os disponibiliza para download para o dono dos dados. Lá, o cliente pode descobrir suas origens, construir sua árvore genealógica (claro, caso haja outros membros da família, mesmo que distantes, que tenham feito o teste também) e saber se tem chance de desenvolver doenças como alguns tipos de câncer de mama, Alzheimer e Parkinson. Apesar de uma pesquisa com dados de 49 consumidores ter mostrado que 40% dos testes apresentaram falhas no resultado, o sucesso é tanto, que, na última Black Friday americana, o 23andMe ficou no Top 5 dos produtos mais vendidos.

Porém, essa montanha de dados não tem sido usada somente por pessoas querendo encontrar parentes ou saber mais sobre sua saúde. Neste ano, dois crimes de décadas atrás nos EUA foram solucionados usando esta database como ponto de partida para rastrear os criminosos. O GEDMatch.com é um portal gratuito colaborativo, onde qualquer pessoa pode criar um perfil e postar seus dados genéticos, com o intuito de descobrir laços familiares. Ele conta com quase 1 milhão de cadastrados, o que, segundo estimativas, faz com que a chance de um cidadão americano encontrar um primo de primeiro grau seja de 3,5%; de segundo grau, 25%; e 90% de achar um primo de terceiro grau.


Os casos solucionados


Foi pensando nisso que um investigador de Sacramento, California, chamado Paul Holes decidiu usar o GEDMatch como uma espécie de última cartada para encontrar um criminoso que, entre 1974 e 1986, foi acusado de matar 12 pessoas, estuprar mais de 50 e cometer cerca de 100 assaltos. Holes estava há 24 anos trabalhando no caso, sem encontrar pistas que o levassem ao Assassino de Golden State (Golden State é como o estado americano é conhecido). Há apenas 9 meses de se aposentar, o investigador ouviu falar de um caso de 2002, quando um jovem que fora sequestrado foi identificado por meio de seu DNA e um site de genealogia. Decidiu tentar o mesmo caminho.


Holes conseguiu DNA de uma das cenas de um crime em 1980, que fora guardado em um freezer por um patologista de um condado próximo, e o mandou para um laboratório, para que essa amostra fosse colocada em um formato de leitura compatível com o GEDMatch. Ele, então, criou um perfil falso no site e fez o upload da amostra. A partir daí começou um trabalho gigantesco que durou quatro meses. O primeiro resultado de compatibilidade do site apontou entre 10 e 20 parentes distantes, equivalentes a primos de terceiro grau. A partir deles, Holes e sua equipe construíram 25 árvores genealógicas que chegaram aos tetra-avôs (avôs dos bisavôs), relativos ao DNA do suspeito e de seus primos distantes. Para isso, usaram jornais antigos, censos nacionais e obituários. Depois de ter todos os nomes mapeados, eles começaram a procurar por suspeitos potenciais, com base na localidade onde moravam ou tinham vivido e pela idade. Resumiram a busca a duas pessoas. Uma delas foi descartada por um teste de DNA com um parente próximo. O outro, Joseph James DeAngelo, ex-policial de 72 anos, foi confirmado como o responsável pelos crimes, após outro teste de DNA em um objeto descartado por ele que os policiais recolheram. Ele foi preso em casa, no final de abril, um local próximo de onde cometera os crimes 40 anos antes.

Joseph James DeAngelo, o Assassino de Golden State

Outro caso parecido aconteceu um mês depois, em maio, desta vez em Seattle, no estado de Washington. William Earl Talbott II, 55 anos, foi preso por estuprar e assassinar uma jovem canadense de 19 anos, além de seu namorado, em 1987. Um detetive da cidade, chamado Jim Scharf, passou 13 anos trabalhando no caso e, segundo ele, só encontrou o assassino por conta da database do GEDMatch, uma vez que William não tinha ficha criminal. Scharf enviou DNA da cena do crime para a Parabon Nanolabs, um laboratório que se especializou em pegar amostrar de crimes e investigar conexões em sites de genealogia. A Parabon encontrou dois primos de segundo grau do criminoso e, a partir deles, construiu duas árvores genealógicas. Assim, William foi encontrado e começou a ser monitorado. Um copo descartável jogado pela janela de seu carro serviu para que fosse coletado DNA, que mostrou que ele era o responsável pelos crimes.


O sucesso na investigação fez com que a Parabon formasse parceria com agências de segurança de todos os EUA para coletar amostras de DNA de crimes ainda não solucionados para tentar encontrar e ajudar a prender os responsáveis. Eles já têm amostras de mais de 100 crimes e pediram autorização ao GEDMatch para usar a base de dados do site sem precisar criar perfis falsos.

Gráfico produzido pelo Seattle Times explicando o método para investigação do caso na cidade

O debate sobre privacidade


Como hoje em dia praticamente tudo que fazemos gera dados sobre nós e estes podem valer ouro nas mãos de empresas, o vazamento dos mesmos causa preocupação – vide o caso Facebook/Cambridge Analytica, só pra citar um exemplo. Em se tratando de dados genéticos então, mais ainda, uma vez que não existe nada mais pessoal do que saber, por exemplo, qual a predisposição que uma pessoa tem não só a uma doença, mas a gostos e traços de personalidade. Recentemente, o MyHeritage teve dados de email e senha de 92 milhões de usuários vazados, apesar de que, segundo a empresa, os dados de DNA das 1,4 milhão de pessoas que os cadastraram no site não foram atingidos.


A preocupação, porém, não vem só de vazamentos. Apesar de dois casos bárbaros terem sido solucionados, os fatos acenderam um debate acalorado nos EUA e Europa em relação ao uso de dados privados por forças de segurança sem autorização. Algumas pessoas argumentam que pode haver uso ou intepretação errada dos dados, levando a identificação de suspeitos que não tiveram relação com o crime. Outros afirmam que não vai demorar muito até que a polícia use este método para rastrear, por exemplo, mulheres que fizeram aborto ilegal – já há um caso desses em andamento, aliás. Os que são a favor afirmam que não têm o que esconder e que não se importam em perder a privacidade, caso isso signifique colocar criminosos atrás das grades. O famoso “quem não deve, não teme”.


As empresas têm opiniões diferentes também. O GEDMatch, desde que os casos foram divulgados, mudou sua política no site e agora comunica explicitamente que os dados ali colocados podem ser usados por forças de segurança em investigação. Segundo os administradores, isso fez com que eles perdessem alguns usuários, mas ganhassem vários outros.

Aviso do GEDMatch sobre o uso dos dados pelas forças de segurança

23andMe, Ancestry.com e os outros, que cobram pelos testes e dados de seus usuários, afirmam que não abrem mão da privacidade e que, inclusive, já negaram ordens judiciais para abrir sua base de dados.


No Brasil este tipo de serviço ainda não é popular, mas não duvido que em breve seja, assim que as companhias decidirem que aqui pode ser um mercado com potencial de ganho e investirem pesadamente em publicidade. Afinal, foi assim que elas se tornaram populares nos EUA. Em 2016, só a Ancestry.com gastou U$109 milhões em propaganda de TV e outras mídias.


E você, aceitaria ter seu DNA compartilhado?

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