top of page
  • feliperibbe

A febre dos patinetes elétricos nos EUA

O Vale do Silício, você sabe, é o berço de vários novos modelos de negócio. Ali surgiu o AirBNB, revolucionando o mercado hoteleiro mundial. Foi lá também que começou o Uber, dando início a uma mudança completa na forma das pessoas se locomoverem nas grandes cidades. De tão inovadoras, essas empresas acabam entrando em conflito com os governos de onde se estabelecem, pois as legislações locais não estão preparadas para regular o que elas propõem. O Uber, por exemplo, sempre adotou a política de entrar nos mercados e depois “pedir desculpas”, ao invés de seguir o curso normal, de conseguir as autorizações e só então iniciar a operação. A ideia é fazer com que o serviço se torne popular para que proibi-lo depois torne-se inviável.

A nova onda, que começou na California e se espalhou pelos EUA, agora são os patinetes elétricos. De uma hora para outra, milhares deles apareceram em cidades como São Francisco, Los Angeles e Santa Mônica, disputando espaço com bicicletas e pedestres, levando a muitas reclamações dos moradores e fazendo com que os governos locais se movimentem. Os investidores, no entanto, estão apostando alto. Talvez prevendo o que aconteceu com o Uber (que sofreu com críticas em seu início e hoje está avaliado em mais de U$60 bilhões), fundos de capital de risco estão colocando muito dinheiro na jogada: a Bird, tida como a maior no segmento que vem sendo chamado de micromobilidade, está levantando mais um round de investimentos, que vai coloca-la com valor de mercado de U$2 bilhões. O que é incrível, já que algumas semanas atrás estava avaliada em U$1 bilhão e somente três meses antes tinha valor de U$300 milhões. A Lime, rival da Bird, recebeu no início de junho um aporte de U$250 milhões liderado pelo Google Ventures (braço de capital de risco do Google), que elevou o valuation da empresa a U$1 bilhão. Outros players, como Spin e Skip, também receberam investimentos milionários recentemente. Todo este dinheiro é necessário para ampliar a frota de patinetes, expandir para outras cidades – pois ser o pioneiro é importante -, mas também ter caixa para bancar eventuais multas que receberão de governos (a Bird, por exemplo, teve que pagar U$300 mil  por conta de uma ação movida pela cidade de Santa Monica) e bancar lobbystas para ajudar a atenuar a regulação.


As perspectivas para este mercado são tamanhas, que Uber e Lyft (outro aplicativo de transporte) também estão querendo entrar nessa. Em abril, o primeiro comprou a Jump Bikes, por U$200 milhões. A Jump é uma empresa de compartilhamento de bicicletas, algo já bastante comum mundo afora, mas que vai entrar no negócio de patinetes elétricos. A iniciativa faz parte dos planos do Uber de se tornar um aplicativo multi-transporte, oferecendo desde seus tradicionais carros, bicicletas, patinetes elétricos e até “veículos voadores”. Já a Lyft, para não ficar atrás do rival, pode comprar outra companhia de compartilhamento de bicicletas, a Motivate, pagando U$250 milhões, segundo informações do site The Information, também de olho em expandir o serviço. A confirmação de que ambas as empresas querem participação neste novo mercado é o fato de que as duas aplicaram para receber licenças de operação na cidade de São Francisco recentemente. A cidade, aliás, foi a primeira a tomar providências para frear a inundação de “scooters”, como são chamadas pelos americanos.


Regulações no caminho


Como os patinetes elétricos surgiram da noite para o dia, tanto os cidadãos quanto os governos não sabiam o que iria acontecer e nem como agir. As reclamações são diversas: usuários utilizando estes veículos pelas calçadas, provocando acidentes; largando-os no meio da rua, na porta de estabelecimentos e até bloqueando passagens para cadeira-de rodas… Há também inúmeros casos de vandalismo, já que os patinetes ficam expostos para qualquer um pelas ruas.


As violações de lei também são inúmeras: primeiro, os veículos chegam até 24km/h e, por isso, só poderiam ser usados nas ruas, o que não acontece; segundo, pela legislação da California, veículos motorizados só podem ser guiados por pessoas que estejam portando capacetes, o que também não é comum, apesar da Bird ter colocado 22.000 deles à disposição dos clientes que solicitaram. Além disso há discussões sobre limite de idade, posse de habilitação para pilotar um patinete elétrico e falta de um local propício para estaciona-los.

Patinetes elétricos abandonados no meio da calçada

Por conta disso, as cidades começaram a responder. São Francisco ordenou que as empresas tirassem seus veículos das ruas até o último dia 4 de junho. A partir de então, elas tiveram que aplicar para conseguir uma licença de operação na cidade em um programa de testes que irá durar 12 meses. O programa, porém, é bem limitado. Somente cinco companhias terão a permissão (11 estão na disputa) e somente 1.250 patinetes no total serão autorizados nos seis primeiros meses; caso haja uma boa avaliação, este número dobrará nos seis meses seguintes.


Santa Monica, que foi a primeira a ser “invadida” pelos patinetes ainda em 2017, também aprovou uma lei para regular as empresas. Somente duas poderão operar na cidade e terão um limite de veículos que poderão ter em sua frota. Este limite ainda não foi definido, mas será dinâmico, ou seja, se ficar provado que existe demanda, ele será aumentado. Além disso, cada companhia pagará uma taxa anual de U$20.000 e U$130 por cada patinete. Também será exigido um esforço maior das operadores no sentido de educar seus usuários em relação a como utilizar o serviço sem atrapalhar a vida dos outros cidadãos. Outras cidades americanas vão adotar regulações específicas, como Charlotte, Austin, Washington D.C. e Nashville.


Como funciona


Ter acesso a um patinete elétrico é bem simples. Basta baixar o aplicativo da empresa que quiser, se cadastrar, colocar os dados do cartão de crédito e pronto, é só encontrar algum veículo (que esteja carregado, claro), destrava-lo pelo app e começar a usa-lo. A utilização custa U$1, mais entre U$0,10 a U$0,15 por minuto. Cada patinete tem autonomia de cerca de 32km e novos modelos devem chegar a 60km, o que é o suficiente para o que as empresas pretendem: a chamada micromobilidade, que é prover uma forma de transporte limpa, que ocupa pouco espaço, ideal para cobrir distâncias curtas. Isto pode ser útil, principalmente, em cidades altamente congestionadas, como Nova York e Los Angeles, por exemplo. Aqui no Brasil, imagino que São Paulo também seria um bom local.

A tela do aplicativo dos coletores independentes da Lime, indicando onde tem uma scooter e qual o percentual de bateria

A logística das empresas, porém, não é nada fácil. Como é proibido usar estes patinetes à noite nos EUA (não sei exatamente o motivo), elas precisam recolher, todos os dias, seus veículos até 20h, 21h, levá-los para carregar e no dia seguinte, antes das 07h, coloca-los novamente nas ruas. As companhias usam alguns de seus próprios funcionários para isso, mas também contam com pessoas independentes, que queiram ter uma renda extra. Quem tiver habilitação e um carro pode se inscrever e começar a ganhar entre U$5 e U$25 por patinete recolhido, carregado e recolocado nas ruas, dependendo da empresa para quem estiver trabalhando. A Lime, por exemplo, chama essas pessoas de Juicers. Eles têm aplicativos exclusivos para a função e conseguem saber exatamente onde estão cada um dos patinetes (por meio de GPS) e a carga de bateria deles. Quando a bateria acaba, no entanto, o GPS deixa de funcionar, o que se torna um problema para as empresas. A perda de patinetes por roubo ou vandalismo ainda é considerada alta, mas os executivos responsáveis pelas companhias veem isso como normal, pelo fato de ser uma novidade. Segundo eles, a partir do momento em que as pessoas se acostumarem, isso tende a diminuir.


Apesar dos problemas e da desconfiança de alguns, este novo mercado parece ter alto potencial. Cada patinete elétrico custa em média U$500 e as empresas afirmam que conseguem recuperar o investimento com entre 10 e 14 dias de uso. A adoção dos usuários também tem sido promissora: a Lime aumentou suas vendas em 10 vezes de janeiro a abril; a Bird viu suas receitas crescerem 85% entre março e abril. Se é somente moda ou não, só o tempo irá dizer. Mas estes números mostram que, mesmo com regulação, as “scooters” parecem ter vindo para ficar. Para a alegria dos investidores.

Kommentare


bottom of page