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Futuro Pós-Emergente: Você já ouviu falar em mineração espacial?

Atualizado: 25 de set. de 2018

Quando se fala em mineração espacial, talvez a primeira lembrança que venha à sua cabeça é de Armageddon, filme de 1998 que teve grande sucesso. Nele, um asteroide de enormes proporções se aproxima de uma colisão com a Terra, ameaçando a existência da humanidade. Uma equipe de petroleiros com personalidades peculiares é treinada pela NASA para pousar no asteroide, perfurá-lo e posicionar uma bomba nuclear, capaz de desintegrá-lo, impedindo a tragédia.


Na vida real a mineração espacial não se parece com o blockbuster estrelado por Bruce Willis. Nem por isso deixa de ser espetacular e ter ares de ficção científica. A tecnologia necessária, no entanto, está se desenvolvendo rapidamente e algumas missões iniciais já são realidade, impulsionadas pela queda nos valores para se explorar o espaço. A entrada de empresas privadas financiadas por bilionários, como Elon Musk e Jeff Bezos, não só derrubou os custos de lançamento de foguetes e satélites em cerca de 75%, como também abriu os olhos dos investidores para as grandes oportunidades que residem fora do planeta Terra. O total de investimentos privados em empresas espaciais saltou de U$534 milhões em 2014 para U$3,9 bilhões em 2017. O mercado aquecido fez com que diversas companhias do setor surgissem, com objetivos dos mais variados: desde vôos turísticos na órbita da Lua, passando por satélites com diferentes tamanhos e capacidades até a colonização de Marte. A mineração espacial é um desses objetivos e seu alto potencial econômico chama a atenção não só destas empresas privadas, como também de agências governamentais ao redor do mundo.


Um relatório de 2017 do banco Goldman Sachs estimou que um único asteroide pode conter cerca de U$50 bilhões somente em platina, um metal nobre e bastante caro. A Accenture, consultoria de renome, também assinou uma publicação na qual discorre sobre o grande potencial da empreitada. John S. Lewis, professor emérito de ciência planetária da Universidade do Arizona e cientista chefe da Deep Space Industries (uma das empresas desta corrida) vai além: segundo sua estimativa, um asteroide conhecido como Amun, com aproximadamente 2km de extensão, caso pudesse ser minerado, teria cerca de U$8 trilhões em ferro e níquel; U$6 trilhões em cobalto; U$6 trilhões em platina, irídio e outros metais raros; além de cerca de U$2 trilhões em não metais, como carbono, nitrogênio, oxigênio, fósforo… Claro que é apenas uma estimativa e que minerar um asteroide do tamanho do Amun levaria vários anos, isso se realmente fosse possível. Além disso, aumentar a oferta de recursos nesta ordem de grandeza faria com que o preço deles despencasse. Mesmo assim os números chamam bastante a atenção.

“Postos de combustível” e Indústrias espaciais


Apesar das cifras exorbitantes relacionadas à extração de metais, minerais e água, a mineração espacial, pelo menos nos primeiros anos, não envolverá trazer estes materiais para uso na Terra. A ideia é usa-los no próprio espaço, como recursos para diversas funções. Antes de falar sobre elas, vale explicar rapidamente que existem três tipos principais de asteroides:

  • Tipo C – abundante em água e outros elementos, como carbono e fósforo

  • Tipo S – pouca água, mas rico em metais como níquel, cobalto, ouro e platina

  • Tipo M – são os mais raros e contém cerca de 10 vezes mais metais que o Tipo S (o Amun se encaixa nesta categoria)

A água parece ser o primeiro recurso a ser explorado, não só pela sua abundância (são estimados 2 trilhões de toneladas dela à disposição em asteroides próximos da Terra!), mas principalmente pela múltipla utilidade, desde o consumo dos participantes de missões espaciais – seja bebendo, seja em higiene – até o cultivo de comida, obtenção de ar respirável e proteção contra radiação solar. Tamanha quantidade de água ocupa grandes áreas nas espaçonaves, o que aumenta o custo de forma considerável. Para se ter uma ideia, segundo a NASA, colocar apenas 1 quilo de material em órbita custa aproximadamente U$100 mil. A Estação Espacial Internacional (ISS, em inglês), por exemplo, com seus 6 tripulantes, consome cerca de 4 toneladas do líquido por ano. Faça as contas e veja o quanto daria para economizar se a água já estivesse pronta para uso fora da Terra.


Porém, a água será importante mesmo como combustível. Uma das maiores dificuldades de se chegar a locais mais distantes do sistema solar – como Marte, por exemplo – é justamente o fato de que existe uma limitação da quantidade de combustível que um foguete pode carregar. A Planetary Resources, uma das empresas de mineração espacial, faz uma analogia interessante: imagine viajar de Los Angeles a Nova York (duas extremidades dos EUA) sem ter postos de combustível no caminho. Seria impossível.


A ideia é pesquisar dentre estes asteroides próximos da Terra – existem cerca de 16 mil deles – quais têm as maiores quantidades de água para que, ao quebrá-la em seus elementos básicos (hidrogênio e oxigênio), se consiga produzir combustível. Assim, seria possível desenhar “rodovias” pelo espaço e ter “postos de abastecimento”, que seriam fundamentais para se alcançar locais ainda inexplorados. O vídeo abaixo, produzido pela companhia, explica o projeto:

A Planetary Resources têm investidores de peso como Larry Page (co-fundador do Google), Eric Schmidt (ex-CEO do Google) e Richard Branson (fundador do Grupo Virgin), além de ter recebido um investimento de 25 milhões de euros do governo de Luxemburgo – mais abaixo explico como este pequeno país quer ser líder em mineração espacial. A já citada Deep Space Industries, americana como a Planetary, tem um projeto parecido e também conseguiu financiamento de Luxemburgo.


A forma de se minerar no espaço, no entanto, não está claramente definida e carece de um aprimoramento tecnológico. Uma ideia, comentada no relatório da Accenture, é criar um tubo cilíndrico gigante (veja a figura abaixo), dentro do qual o asteroide seria posicionado. A radiação solar aqueceria este tubo, a ponto de liberar oxigênio, hidrogênio e nitrogênio. Apesar da indefinição, o desenvolvimento da tecnologia de mineração espacial despertou o interesse também de empresas de mineração tradicionais, em busca de inovações no setor. A Bechtel Corporation, com receitas de U$32,9 bilhões em 2017, é uma das investidoras e parceiras da Planetary Resources.

Além da extração de água, o estabelecimento de “indústrias espaciais” para produção dos mais variados objetos e materiais é considerado fundamental tanto para diminuição de custos de manutenção de satélites e espaçonaves quanto para os planos de se colonizar outras áreas do sistema solar, como a Lua ou Marte. Atualmente, quando alguma parte de uma espaçonave precisa ser reposta, é necessário que uma nova seja levada da Terra até ela. Se isto acontecer a uma distância que leve alguns meses até que esta aeronave receba a nova peça teríamos um problema. Para isso, impressoras 3D estão sendo estudadas como forma de se conseguir fabricar objetos, ferramentas e peças em órbita. A NASA, em parceria com uma startup chamada Made in Space, realizou a produção da primeira peça em impressora 3D na Estação Espacial Internacional, em 2014. A peça em questão foi uma da própria impressora, mas a ideia é que se comece a produzir objetos de diferentes tipos. Como asteroides são ricos em ferro, níquel, cobalto e titânio, materiais amplamente utilizados na construção de espaçonaves e satélites, no futuro será possível fabricar estruturas maiores no espaço usando tais materiais.


No caso de eventuais colonizações, seria necessário construir moradias, por exemplo. Aqui também as impressoras 3D teriam papel importante. Com elas, a Agência Espacial Europeia conseguiu criar um bloco de construção de 1,5 tonelada usando solo lunar artificial, baseado em amostras recolhidas. Isso sem contar nos materiais citados no parágrafo anterior, que poderiam criar estruturas para o estabelecimento de humanos.

Bloco de construção criado pela Agência Espacial Europeia usando solo lunar artificial

Apesar dos asteroides estarem no centro das atenções, pelo menos por enquanto, existem aqueles que apostam que a Lua será um local pioneiro em mineração. É o caso da empresa japonesa iSpace, que afirma que nosso satélite natural é mais acessível. A discussão sobre qual seria a melhor opção divide os especialistas (neste link existem argumentos pró e contra ambos), mas a verdade é que somente quando as iniciativas forem de fato implementadas saberemos com quem estava a razão.


Governos no jogo


Não são só as empresas privadas que apostam em mineração espacial. Alguns países também têm seus projetos. Em 2010, o Japão lançou a missão Hayabusa, que trouxe para Terra uma pequena quantidade de poeira de um asteroide chamado Itokawa. A Hayabusa 2 está em andamento e pretende chegar ao asteroide Ryugu este ano, coletar amostras maiores e trazer para análise em 2020.


A NASA, dos EUA, tem alguns planos diferentes: a OSIRIS-REX foi lançada em 2016 e, este ano, vai alcançar o asteroide Bennu, verificar sua superfície e composição, para trazer uma amostra de solo/pedras para análise em 2023. A Missão Psyque será lançada em 2022 e tem como alvo o Psyque, um asteroide totalmente de metal, particularmente ferro e níquel. Esta missão deve chegar no destino somente em 2026 e por lá ficará em torno de 21 meses para estudar sua composição. O plano mais ousado da NASA, no entanto, foi encerrado em dezembro de 2017. A Asteroid Redirect Mission pretendia alcançar um asteroide próximo da Terra e carregar este gigante de várias toneladas para a órbita da Lua, onde seria minerado por astronautas, com amostras trazidas para Terra. Não se sabe o motivo do encerramento da missão.


A China, com seu objetivo de se tornar a maior potência mundial, não poderia ficar para trás. Em 2017, a China Academy of Launch Vehicle Technology, controlada pelo governo chinês, revelou seus planos para exploração espacial, entre eles a mineração de asteroides e planetas, na década de 2040.


Legislação


Você pode estar se perguntando: qualquer país ou empresa pode extrair recursos de asteroides, Lua ou outros planetas? Aparentemente sim. Por ser uma situação nova, não há uma legislação que determine regras para mineração espacial. O Tratado do Espaço Exterior da ONU, assinado por 100 países em 1967, é o que regula a exploração do espaço. Ele foi viabilizado durante a Guerra Fria e tinha como objetivo proibir o uso do mesmo para ações militares. No Tratado não há referências à exploração de recursos, apenas proibição de estabelecimento de territórios. Ou seja, trata-se de uma área nebulosa em termos regulatórios e, em breve, precisará passar por revisões. Se a expectativa é que se tenha abundância de materiais valiosos como ouro e platina, ter estes recursos na Terra levaria a uma grande mudança econômica, com o valor destes despencando, levando consigo fortunas pessoais e de países que vivem basicamente de suas reservas. E isso, certamente, não seria facilmente aceito.


Por enquanto, as empresas privadas se baseiam em leis nacionais. Apenas dois países possuem tais leis. Os EUA formalizaram o Space Act em 2015, que garante a companhias e cidadãos americanos o direito de possuir, vender e lucrar com recursos extraídos de asteroides e outros corpos celestiais.

Chris Lewicki, CEO da Planetary Resources, e Etienne Schneider

O outro país é Luxemburgo, com cerca de 600 mil habitantes, encravado entre Alemanha, Bélgica e França. Dono do 2º maior PIB per Capita do mundo, esta pequena nação quer se estabelecer na dianteira da mineração espacial. Em 2017, decretou lei parecida com a norte-americana. Um ano antes, criou a Space Resources Initiative, com um fundo de U$223 milhões destinado a financiar companhias voltadas à exploração de recursos no espaço. As já citadas Planetary Resources e Deep Space Industries receberam investimentos da iniciativa em troca de participação. Para isso, tiveram que estabelecer endereços no país. O vice-primeiro ministro, Etienne Schneider, afirmou, inclusive, que iria reembolsar até 45% dos custos com pesquisa e desenvolvimento na área.


Para quem estranha o fato de um país tão pequeno querer ter proeminência em um mercado que promete movimentar trilhões nas próximas décadas, Luxemburgo tem um histórico na área espacial. Lá, em 1985, foi fundada a SES, hoje a segunda maior operadora de satélites comerciais do mundo. Na época, esta indústria era composta basicamente por empresas públicas e a SES foi a primeira companhia privada europeia no setor.


Apesar da falta de clareza em termos regulatórios e de que ainda falta conhecimento e tecnologia para que a mineração espacial seja adotada comercialmente, seu potencial parece inegável. Com os recursos do planeta sendo consumidos de maneira feroz e uma população mundial que pode chegar a quase 10 bilhões de pessoas em 2050, buscar novas fontes fora da Terra pode ser a saída para a escassez. Além disso, acelerar a exploração de novas fronteiras espaciais ainda desconhecidas pode levar a descobertas inimagináveis sobre novos locais para moradia e vidas extraterrestres. O futuro pós-emergente promete.

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