Muitas cidades são chamadas de (ou se autoproclamam) inteligentes apenas porque implementam semáforos e postes de luz que funcionam com o movimento de pedestres e carros ou quando lançam um aplicativo que reúne diversos serviços para a população. Porém, apesar de tais iniciativas serem importantes, para que uma cidade seja de fato inteligente, ela tem que usar tecnologia e dados para entregar às pessoas que nela habitam uma melhor qualidade de vida. Esta é a proposta que a Sidewalk Labs - empresa da Alphabet, que controla o Google – tem para transformar uma área decadente de Toronto, no Canadá, em um bairro verdadeiramente inteligente.
Chamado de Quayside, a área de aproximadamente 4,8 hectares às margens do Lago Ontário é o primeiro projeto da companhia e servirá como um grande laboratório para testar novas tecnologias, que possam, no futuro, ser usadas em outras cidades do mundo. Em outubro de 2017, a Waterfront Toronto (organização sem fins lucrativos pertencente aos governos municipal, estadual e federal), escolheu a Sidewalk Labs para desenvolver um plano de revitalização da localidade, tornando-a um bairro moderno, sustentável e repleto de inovações tecnológicas. Após mais de 18 meses de planejamento e muitas discussões, esta segunda a empresa finalmente apresentou seu ambicioso projeto, o “Toronto Tomorrow”, com investimento total estimado em US$1,3 bilhão.
Para começar, todas as construções serão de madeira maciça, até prédios de 30 ou mais andares. O material é considerado uma alternativa mais sustentável e barata que materiais de construção tradicionais. Além disso, os edifícios serão modulares (como peças gigantes de LEGO), o que fará não só com que as estruturas sejam erguidas mais rapidamente, como também facilitará caso haja necessidade de adaptações. A maior parte dos imóveis será residencial e a ideia é atrair pessoas de diferentes classes sociais: 20% dos apartamentos terão preços acessíveis àqueles de baixa renda e outros 20% à classe média. A energia será 100% limpa, solar ou geotermal, e a intenção é disponibilizar comunicação 5G para todos os habitantes. Haverá ainda um sistema de túneis subterrâneos, por onde serão realizadas entregas de correspondências, mercadorias e refeições, além da passagem de caminhões recolhendo lixo. No futuro, a ideia é que todo o túnel seja operado por robôs. Vale destacar o fato de que será desenvolvido um gêmeo digital do bairro, onde será possível testar mudanças na infraestrutura de forma rápida, com baixo custo e sem incomodar os moradores.
Outra novidade será a ciclovia aquecida, que derreterá neve acumulada, o que, a empresa espera, permitirá que as pessoas se locomovam de bicicleta até no pesado inverno local. Os meios de transporte, aliás, são parte importante do plano; os habitantes serão estimulados a usar transporte público. Haverá ônibus e carros autônomos circulando e as pistas serão mais estreitas, o que aumentará o espaço para calçadas. Há ainda um pedido para que o governo estenda o metrô de Toronto até lá, para facilitar o acesso da população.
Tudo isso, é claro, só será possível com sensores. Milhões deles coletando dados sobre tudo. E é justamente isso que tem causado preocupação em alguns grupos e associações do Canadá. Eles temem uma invasão de privacidade dos moradores/frequentadores do local e que estes dados serão usados para rastrear rotinas e comportamentos, sendo depois vendidos a outras empresas. A Canadian Civil Liberties Association, inclusive, está processando as três esferas de governo, alegando que elas “abdicaram de suas responsabilidades e as entregaram a uma corporação”. A Sidewalk Labs afirma no projeto que os dados coletados serão anônimos e que um órgão independente será responsável por controlá-los, tendo que aprovar sua utilização.
Com todas as polêmicas, o plano agora será analisado pela Waterfront Toronto e pelo Toronto City Council, uma espécie de câmara dos vereadores da cidade. Só depois disto, se aprovado, começarão as obras, o que está previsto apenas para o segundo semestre de 2020.
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